domingo, 2 de outubro de 2011

CAI NÚMERO DE HOMICÍDIOS EM NATAL E EXTREMOZ TEM O MENOR ÍNDICE DA ÁREA METROPOLITANA

Um corpo que tomba morto após uma ação violenta do algoz. Essa cena já foi registrada 192 vezes em Natal, de janeiro a agosto deste ano. O dado é da Subcoordenadoria de Estatística e Analise Criminal (Seac), órgão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed). Os relatórios mensais apontam os cinco bairros da capital onde os homicídios ocorrem com maior frequência na capital, todos localizadas nas zonas Norte e Oeste. O líder é o bairro de Felipe Camarão, na zona Oeste, com 30 homicídios, seguido por Pajuçara (20), Nossa Senhora da Apresentação (19), Planalto (13) e Lagoa Azul (12).

Mapa da violência mostra que o maior número de crimes ocorre nas
zonas Oeste e Norte da Capital. Felipe Camarão é o bairro campeão.
Foto: Adriano Abreu
Em uma análise detalhada dos dados é possível constatar que as áreas Norte e Oeste são as mais violentas da capital. Elas aparecem liderando o ranking dos homicídios e, juntas, acumulam 78% dos casos. Individualmente, a zona Norte contribui com 48,6% dos registros, enquanto a Oeste, 30,9%. O quantitativo parcial apresentado pelo Seac/Sesed determina  uma média de 0,79 mortes violentas por dia este ano. Em 2010, foram 302 casos, equivalente a 0,82 crimes contra a vida. Já no ano anterior, 400  ocorrências desse tipo foram notificadas pelo Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), o equivalente a 1,1 homicídios diários.


O secretário adjunto de Segurança e Defesa Social, Clidenor Silva Junior, atribui a queda no número de crimes de morte à otimização das ações de prevenção e repressão orientadas por estatísticas. Um exemplo dessa orientação foi o estabelecimento do Programa Comunidade em Paz, desde o mês de julho, no bairro de Nossa Senhora da Apresentação, o qual teve sua dimensão de área associada aos números relacionados a diferentes tipos de crimes, complementou o coordenador da Seac, o soldado PM Kléber Maciel.

"A preocupação da Secretaria foi de não somente agir ali um tempo e fazer a criminalidade migrar, mas combater o crime e estabelecer uma cultura de paz no local", afirmou ele que aponta para uma diminuição mês a mês dos crimes envolvendo morte em Nossa Senhora da Apresentação.  Se em março, se tinha 5 casos, no  mês seguinte 4 foram registrados. Em maio e junho a quantidade se manteve em 3. No período de implantação do programa (julho) essa quantidade diminuiu para um  caso,  crescendo para 2 em Agosto.

O coordenador analisou que as áreas em que se tem uma maior incidência desse tipo de crime são marcadas por problemas sociais, desde a pobreza até ineficiência de alguns serviços públicos como educação, saúde e iluminação pública, fatos que acabam propiciando uma situação de inconformidade social que, muitas vezes, leva ao crime. Ele revela que nos últimos seis meses foram determinadas intervenções mais enérgicas a fim de controlar a violência.

Perfil

As estatísticas da Sesed mostram que a maioria das vítimas, 93% do total, é homem, 58% deles têm entre 20 e 29 anos, sendo a maior frequência entre os que alcançam os 18 anos. As mortes violentas  acontecem em 48% nos finais de semana, sendo que 67% deles depois das 18h. Quanto a motivação e instrumento letal, 80% dos homicídios possuem ligação direta com o mercado de entorpecentes e 89% deles são vitimas de armas de fogo. Para o coordenador da Seac, soldado Kleber Maciel, os números indicam a necessidade de políticas públicas voltadas a ocupação dos jovens, desde educação escolar aos cursos profissionalizantes.

População teme ação de bandidos

A situação para qual apontam os dados fornecidos pela Subcoordenadoria de Estatística da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed)  se materializam na sensação de insegurança dos moradores de Felipe Camarão. A proprietária de um comércio situado a rua Nossa Senhora do Livramento, a apenas 200 metros da 14ª Delegacia de Polícia, conta que somente naquela rua já viu três homens morrerem após atos de violência, nos últimos anos.

Além das mortes ligadas ao tráfico de drogas, os assaltos também são lembrados pela moradora como motivos de preocupação. Há seis meses uma jovem foi roubada na frente de sua residência. A moradora e comerciante também se diz intimidada por alguns jovens que frequentemente pedem dinheiro. "Eu acabo dando o dinheiro, senão eles roubam", justifica, contando já ter pensado em mudar de endereço. Fato que não ocorreu porque as pessoas temem alugar ou comprar imóveis naquela parte da cidade. "E olhe que aqui onde moro nem é a parte mais perigosa do bairro. Mas quando a gente fala que é Felipe Camarão o povo desiste", constata ela que há 30 anos mora no local.

Outra moradora do bairro da zona Oeste entre as grades que separam sua casa da rua, também fala dos perigos e medo com o qual convive. Ela relembra que nos últimos dois anos foi "visitada" duas vezes por assaltantes. Na primeira vez, em 2009, eram 16h quando dois jovens chegaram fingindo querer comprar picolé. Ela ao se aproximar foi rendida por um deles que estava armado. O outro pôs produtos e dinheiro numa sacola e ambos fugiram. Já há três meses, outra dupla de bandidos não teve a mesma sorte. Após a tentativa de assalto, foram surpreendidos por populares e quase linchados. "Desde esses acontecidos eu procuro atender o pessoal através dessa grade. A gente não sabe mais quem é quem", lamenta.

Estrutura para investigação é precária

A estrutura da 14ª Delegacia de Polícia, responsável pelos procedimentos e investigação em Felipe Camarão conta com oito agentes de polícia civil, um delegado e um escrivão. São duas viaturas caracterizadas e dois computadores, um para o atendimento ao público e outra na sala do escrivão. Faltam coletes balísticos e armamento, revelam alguns agentes.

Em Felipe Camarão os comércios mantêm os portões
fechados por causa do medo dos bandidos.
Foto: Emanuel Amaral
Aceitando falar somente sobre as características do bairro e os protagonistas de crimes, o chefe de investigação da  delegacia, APC Francisco Moura, confirmou que mais de 90% dos crimes contra a vida estão relacionados com o tráfico de drogas na região, sendo raros os casos de latrocínio. A faixa etária dos criminosos está entre os 14 e 40 anos. No entanto, ele ressalta que dificilmente esses jovens tem ultrapassado os 20 anos. "É comum a gente investigar e à medida que vamos progredindo chega um atestado de óbito".

No trato investigativo, Moura, que é agente há 30 anos, fala que o silêncio das possíveis testemunhas se constitui em uma das maiores barreiras para que se chegue ao responsável pelos crimes. "As pessoas veem, sabem quem foi, mas ficam com medo", diz ele apesar de admitir que há alguns que conseguem romper o silêncio e fornecer informações preciosas para a conclusão do inquérito. O policial faz questão de salientar que a comunidade acaba refém dos criminosos. Sobre os pontos críticos do bairro, ele menciona as favelas do Fio e Detran como pontos de esconderijo de boa parte dos procurados pela polícia e  logradouros específicos como a  rua e travessa Padre Cícero.

Quando questionado se as condições oferecidas eram compatíveis com as demandas diárias, Francisco Moura se limitou a dizer que o possível estava sendo feito com os recursos disponíveis, mas deixou escapar que uma viatura descaracterizada é imprescindível para a execução das investigações.

Municípios da Grande Natal lideram ranking de homicídios

Parnamirim está em segundo lugar no ranking dos casos de homicídios com 40 homicídios registrados no período de janeiro a agosto. Seguem na relação São Gonçalo do Amarante com 24 notificações, Macaíba com 21 e Ceará Mirim apresenta 17 mortes violentas. As ocorrências possuem ligação com o número de armas que circulam  na sociedade, aponta Silva Júnior. [dos Municípios da Grande Natal, Extremoz tem os menores índice de violência]

Se aumentam as apreensões de armas, cai o número de homicídios, afirma. De janeiro a agosto, 261 armas foram recuperadas pela polícia em Natal. Por bairro, os três que lideram as apreensões são Nossa Senhora da Apresentação com 21 armas, Felipe Camarão com 17 e Planalto com 12 armas recolhidas este ano.

As estatísticas dos anos anteriores, segundo o PM Kleber Maciel, possuem falhas na consideração do número global, uma vez que distintas fontes forneciam esses dados, o que fazia um demonstrativo apenas parcial. Daí, então, a necessidade de um banco de dados único, função da Subcoordenadoria de Estatística e Análise Criminal.

Bate-papo

Clidenor Silva Júnior, secretário adjunto da Sesed

Secretário, por diversas vezes o senhor afirmou que a Subcoordenadoria de Estatísticas e Análise Criminal estava ajudando no combate ao crime. De maneira prática, como isso ocorre?

A partir do momento que conseguimos identificar o aumento de crimes numa região, já podemos concentrar nossos esforços para desenvolver ações preventivas e também de combate. Por exemplo, quando percebemos que os homicídios têm a ver com com o tráfico de drogas, suplementamos o policiamento na região com Rocam [Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicleta] e Cavalaria, além de deflagrarmos operações. Em Felipe Camarão, por exemplo, cumprimos 32 mandados. Em Mossoró, tem acontecido o mesmo. A partir do índice de homicídios, medidas foram tomadas como implantar o 'Sertão Seguro' com ênfase lá. A criação de um segundo batalhão da Polícia Militar".

O Estado recebeu, em junho último, policiais vindos da Força Nacional com o intuito de dar cumprimento a mais de mil inquéritos. Mas sobre a Divisão de Homicídios, a quantas anda a implantação?

Quanto à Divisão, posso adiantar que toda a documentação já saiu do meu gabinete e se encontra na Consultoria Geral do Estado. Ele ficou um pouco mais tempo comigo porque precisei fazer algumas modificações. Havia no projeto o pedido de uma gratificação especial para o escrivão da especializada em homicídio e isso eu achei que isso não cabia. Depois desses ajustes o documento  foi enviado para o Conselho Superior de Polícia Civil [Consepol] e de lá para a Consultoria para que seja ultimada a criação.

Existe algum prazo para essa criação e início dos trabalhos?

Bem, inicialmente, vamos criar no papel porque até a implantação vai ser necessário compor um quadro funcional. Você lembrava dos policiais civis da Força Nacional que são 5 delegados, 8 escrivães e mais de 30 agentes. Mas para pôr a Divisão em funcionamento e a contento, vai ser preciso contratar pessoal. A gente não pode, por exemplo, tirar pessoal de uma delegacia e colocar na Divisão de Homicídios.

Então quer dizer que somente a partir do próximo ano ela será implantada? E a vinda da Força é  uma célula inicial desse organismo no Estado?

Exato. Mas já temos esses profissionais iniciando o trabalho. E nós temos quatro delegados trabalhando com esse grupo e lá já começa uma doutrinação para a Divisão de Homicídio, eles estão aprendendo técnicas e o legado vai ficar.

E os resultados da atuação dos policiais vindos da Força Nacional tem sido satisfatório?

Tem sim. Já cumpriram 17 mandados de prisão, mas é o início. A meta proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública [Senasp] é de que 1.300 inquéritos instaurados até dezembro de 2007 sejam concluídos. Havia um prazo para até julho eles serem relatados. Esse prazo perdemos, mas estamos correndo atrás para até dezembro cumprirmos as metas. Além das prisões também foram cumpridos mandados de busca e apreensão. Mas também vai ser preciso contarmos com a celeridade dos juízes em avaliarem os processos para poder zerar o passivo.

Existem delegados da estrutura da segurança potiguar trabalhando conjuntamente com os da Força Nacional. Isso não pode acabar descobrindo algumas unidades policiais ou prejudicar mesmo o andamento dos inquéritos na própria Dehom [Delegacia de Homicídios]?

Não, até porque somente Laerte Jardim está trabalhando com os delegados da Força Nacional, os outros  não são de lá. Então, prejuízo não vai ter prejuízo algum.

Secretário, para combater o crime são necessários investimentos. De onde vêm esses recursos para implantar, por exemplo, o Programa Comunidade em Paz, como foi feito no bairro Nossa Senhora da Apresentação?

Nós agregamos algumas políticas nacionais, como a Campanha do Desarmamento, a ações locais. Nesse ano conseguimos implantar o Sertão Seguro com recursos dimensionados do ano passado. Já para 2012 temos previsto do Estado R$ 3 milhões para criar mais bases para o Comunidade em Paz. Somente para ações de grande vulto desempenhadas pela Delegacia de Homicídio e Delegacia Especializada em Entorpecentes. E o objetivo é que conseguir mais recursos para investir nas apreensões de armas e aumento de efetivo.

O senhor falava no Programa Comunidade em Paz e tivemos a informação de que o próximo bairro a receber essa mesma iniciativa será Felipe Camarão. Já está confirmado e qual o motivo da escolha?

Já definimos sim. Havia uma dúvida se implantaríamos a segunda em Felipe Camarão ou no Planalto, mas os números de Felipe Camarão são mais passíveis de atenção. No Planalto, apesar de ser maior, a força policial tem feito frente aos números, mas é provável que seja o terceiro bairro escolhido.

Um dos maiores problemas em Felipe Camarão apontado pelas estatísticas são os crimes contra a vida. O senhor confirma informações obtidas na delegacia do bairro de que a maioria deles é por causa de acerto de contas?

O mundo do tráfico é perigoso. Além da relação comercial fora da lei, a pessoa é tirada do seu bom senso e passa a roubar, a traficar, para manter o vício. E quando se compra e não paga, o comum nesse mundo é pagar com a vida. E as grandes vítimas são os jovens. A Senasp mostra que a média dos mortos que possuem ligação com o tráfico é de 22 anos. E ainda tem a presença dos egressos do sistema penitenciário que acabam compondo essas estatísticas de homicídio. Eles são fazem dívidas dentro dos presídios e tem que trabalhar nas ruas quando ganham a liberdade para pagarem o que estão devendo.

E a possibilidade de existirem Grupos de Extermínio colaborando para esses homicídios, o que o senhor teria a falar? Eles existem, são formados por policiais, por bandidos?

Até o momento não existe nenhuma indicação de existam grupos de extermínio do Rio Grande do Norte. O que tivemos notícias foi de alguns grupos que se organizaram. Mas isso é de forma esporádica. O que pode estar acontecendo é um matador contumaz sendo 'contratado' para fazer diversos crimes.

O senhor acredita que uma possível sensação de impunidade colabora com a continuidade desses crimes?

Existem muitos fatores que podem concorrer para essa sensação de impunidade. Nós temos a necessidade de um inquérito bem instruído, para que aconteçam as condenações, da celeridade no andamento dos processos. Já imaginou o que é ter uma taxa nacional de resolução de homicídios de 8%, inclusive, a do Rio Grande do Norte é essa mesma e em São Paulo chega a 20%, ou seja, de cada 100 mortes, 20 são solucionadas. Então, alguém pode pensar, por exemplo, que aqui há 92% de chance de não ser preso e condenado. Mas esquecem que o policial pode prender em flagrante. Há quem fale em leis mais rígidas, em mudanças nelas. Eu acredito que também é necessário que as pessoas tenham uma percepção penal mais forte com a certeza de que vão ser indiciados, responder por um processo criminal, e após julgamento, ser ou não condenado.

Carlos Henrique Góis
Repórter
Fonte: tribunadonorte.com.br

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