Um corpo que tomba morto após uma ação violenta do algoz. Essa
cena já foi registrada 192 vezes em Natal, de janeiro a agosto deste ano. O
dado é da Subcoordenadoria de Estatística e Analise Criminal (Seac), órgão da
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed). Os relatórios mensais
apontam os cinco bairros da capital onde os homicídios ocorrem com maior
frequência na capital, todos localizadas nas zonas Norte e Oeste. O líder é o
bairro de Felipe Camarão, na zona Oeste, com 30 homicídios, seguido por
Pajuçara (20), Nossa Senhora da Apresentação (19), Planalto (13) e Lagoa Azul
(12).
Mapa da
violência mostra que o maior número de crimes ocorre nas
zonas Oeste
e Norte da Capital. Felipe Camarão é o bairro campeão.
Foto: Adriano Abreu |
Em uma análise detalhada dos dados é possível constatar que as
áreas Norte e Oeste são as mais violentas da capital. Elas aparecem liderando o
ranking dos homicídios e, juntas, acumulam 78% dos casos. Individualmente, a
zona Norte contribui com 48,6% dos registros, enquanto a Oeste, 30,9%. O quantitativo
parcial apresentado pelo Seac/Sesed determina
uma média de 0,79 mortes violentas por dia este ano. Em 2010, foram 302
casos, equivalente a 0,82 crimes contra a vida. Já no ano anterior, 400 ocorrências desse tipo foram notificadas pelo
Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), o equivalente a 1,1 homicídios
diários.
O secretário adjunto de Segurança e Defesa Social, Clidenor Silva
Junior, atribui a queda no número de crimes de morte à otimização das ações de
prevenção e repressão orientadas por estatísticas. Um exemplo dessa orientação
foi o estabelecimento do Programa Comunidade em Paz, desde o mês de julho, no
bairro de Nossa Senhora da Apresentação, o qual teve sua dimensão de área
associada aos números relacionados a diferentes tipos de crimes, complementou o
coordenador da Seac, o soldado PM Kléber Maciel.
"A preocupação da Secretaria foi de não somente agir ali um
tempo e fazer a criminalidade migrar, mas combater o crime e estabelecer uma
cultura de paz no local", afirmou ele que aponta para uma diminuição mês a
mês dos crimes envolvendo morte em Nossa Senhora da Apresentação. Se em março, se tinha 5 casos, no mês seguinte 4 foram registrados. Em maio e
junho a quantidade se manteve em 3. No período de implantação do programa
(julho) essa quantidade diminuiu para um
caso, crescendo para 2 em Agosto.
O coordenador analisou que as áreas em que se tem uma maior
incidência desse tipo de crime são marcadas por problemas sociais, desde a
pobreza até ineficiência de alguns serviços públicos como educação, saúde e
iluminação pública, fatos que acabam propiciando uma situação de inconformidade
social que, muitas vezes, leva ao crime. Ele revela que nos últimos seis meses
foram determinadas intervenções mais enérgicas a fim de controlar a violência.
Perfil
As estatísticas da Sesed mostram que a maioria das vítimas, 93% do
total, é homem, 58% deles têm entre 20 e 29 anos, sendo a maior frequência
entre os que alcançam os 18 anos. As mortes violentas acontecem em 48% nos finais de semana, sendo
que 67% deles depois das 18h. Quanto a motivação e instrumento letal, 80% dos
homicídios possuem ligação direta com o mercado de entorpecentes e 89% deles
são vitimas de armas de fogo. Para o coordenador da Seac, soldado Kleber
Maciel, os números indicam a necessidade de políticas públicas voltadas a
ocupação dos jovens, desde educação escolar aos cursos profissionalizantes.
População teme ação de bandidos
A situação para qual apontam os dados fornecidos pela
Subcoordenadoria de Estatística da Secretaria de Segurança Pública e Defesa
Social (Sesed) se materializam na
sensação de insegurança dos moradores de Felipe Camarão. A proprietária de um
comércio situado a rua Nossa Senhora do Livramento, a apenas 200 metros da 14ª
Delegacia de Polícia, conta que somente naquela rua já viu três homens morrerem
após atos de violência, nos últimos anos.
Além das mortes ligadas ao tráfico de drogas, os assaltos também
são lembrados pela moradora como motivos de preocupação. Há seis meses uma
jovem foi roubada na frente de sua residência. A moradora e comerciante também
se diz intimidada por alguns jovens que frequentemente pedem dinheiro. "Eu
acabo dando o dinheiro, senão eles roubam", justifica, contando já ter
pensado em mudar de endereço. Fato que não ocorreu porque as pessoas temem
alugar ou comprar imóveis naquela parte da cidade. "E olhe que aqui onde
moro nem é a parte mais perigosa do bairro. Mas quando a gente fala que é
Felipe Camarão o povo desiste", constata ela que há 30 anos mora no local.
Outra moradora do bairro da zona Oeste entre as grades que separam
sua casa da rua, também fala dos perigos e medo com o qual convive. Ela
relembra que nos últimos dois anos foi "visitada" duas vezes por
assaltantes. Na primeira vez, em 2009, eram 16h quando dois jovens chegaram
fingindo querer comprar picolé. Ela ao se aproximar foi rendida por um deles
que estava armado. O outro pôs produtos e dinheiro numa sacola e ambos fugiram.
Já há três meses, outra dupla de bandidos não teve a mesma sorte. Após a tentativa
de assalto, foram surpreendidos por populares e quase linchados. "Desde
esses acontecidos eu procuro atender o pessoal através dessa grade. A gente não
sabe mais quem é quem", lamenta.
Estrutura para investigação é precária
A estrutura da 14ª Delegacia de Polícia, responsável pelos
procedimentos e investigação em Felipe Camarão conta com oito agentes de
polícia civil, um delegado e um escrivão. São duas viaturas caracterizadas e
dois computadores, um para o atendimento ao público e outra na sala do
escrivão. Faltam coletes balísticos e armamento, revelam alguns agentes.
Em
Felipe Camarão os comércios mantêm os portões fechados por causa do medo dos bandidos. Foto: Emanuel Amaral |
Aceitando falar somente sobre as características do bairro e os
protagonistas de crimes, o chefe de investigação da delegacia, APC Francisco Moura, confirmou que
mais de 90% dos crimes contra a vida estão relacionados com o tráfico de drogas
na região, sendo raros os casos de latrocínio. A faixa etária dos criminosos
está entre os 14 e 40 anos. No entanto, ele ressalta que dificilmente esses
jovens tem ultrapassado os 20 anos. "É comum a gente investigar e à medida
que vamos progredindo chega um atestado de óbito".
No trato investigativo, Moura, que é agente há 30 anos, fala que o
silêncio das possíveis testemunhas se constitui em uma das maiores barreiras
para que se chegue ao responsável pelos crimes. "As pessoas veem, sabem
quem foi, mas ficam com medo", diz ele apesar de admitir que há alguns que
conseguem romper o silêncio e fornecer informações preciosas para a conclusão
do inquérito. O policial faz questão de salientar que a comunidade acaba refém
dos criminosos. Sobre os pontos críticos do bairro, ele menciona as favelas do
Fio e Detran como pontos de esconderijo de boa parte dos procurados pela
polícia e logradouros específicos como a rua e travessa Padre Cícero.
Quando questionado se as condições oferecidas eram compatíveis com
as demandas diárias, Francisco Moura se limitou a dizer que o possível estava
sendo feito com os recursos disponíveis, mas deixou escapar que uma viatura
descaracterizada é imprescindível para a execução das investigações.
Municípios da Grande Natal lideram ranking de homicídios
Parnamirim está em segundo lugar no ranking dos casos de
homicídios com 40 homicídios registrados no período de janeiro a agosto. Seguem
na relação São Gonçalo do Amarante com 24 notificações, Macaíba com 21 e Ceará
Mirim apresenta 17 mortes violentas. As ocorrências possuem ligação com o
número de armas que circulam na
sociedade, aponta Silva Júnior. [dos Municípios da Grande Natal, Extremoz tem os menores índice de violência]
Se aumentam as apreensões de armas, cai o número de homicídios,
afirma. De janeiro a agosto, 261 armas foram recuperadas pela polícia em Natal.
Por bairro, os três que lideram as apreensões são Nossa Senhora da Apresentação
com 21 armas, Felipe Camarão com 17 e Planalto com 12 armas recolhidas este
ano.
As estatísticas dos anos anteriores, segundo o PM Kleber Maciel,
possuem falhas na consideração do número global, uma vez que distintas fontes
forneciam esses dados, o que fazia um demonstrativo apenas parcial. Daí, então,
a necessidade de um banco de dados único, função da Subcoordenadoria de
Estatística e Análise Criminal.
Bate-papo
Clidenor Silva Júnior, secretário adjunto da Sesed
Secretário, por diversas vezes o senhor afirmou que a Subcoordenadoria
de Estatísticas e Análise Criminal estava ajudando no combate ao crime. De
maneira prática, como isso ocorre?
A partir do momento que conseguimos
identificar o aumento de crimes numa região, já podemos concentrar nossos
esforços para desenvolver ações preventivas e também de combate. Por exemplo,
quando percebemos que os homicídios têm a ver com com o tráfico de drogas,
suplementamos o policiamento na região com Rocam [Ronda Ostensiva com Apoio de
Motocicleta] e Cavalaria, além de deflagrarmos operações. Em Felipe Camarão,
por exemplo, cumprimos 32 mandados. Em Mossoró, tem acontecido o mesmo. A
partir do índice de homicídios, medidas foram tomadas como implantar o 'Sertão
Seguro' com ênfase lá. A criação de um segundo batalhão da Polícia
Militar".
O Estado recebeu, em junho último, policiais vindos da Força
Nacional com o intuito de dar cumprimento a mais de mil inquéritos. Mas sobre a
Divisão de Homicídios, a quantas anda a implantação?
Quanto à Divisão, posso adiantar que toda a documentação já saiu
do meu gabinete e se encontra na Consultoria Geral do Estado. Ele ficou um
pouco mais tempo comigo porque precisei fazer algumas modificações. Havia no
projeto o pedido de uma gratificação especial para o escrivão da especializada
em homicídio e isso eu achei que isso não cabia. Depois desses ajustes o
documento foi enviado para o Conselho
Superior de Polícia Civil [Consepol] e de lá para a Consultoria para que seja
ultimada a criação.
Existe algum prazo para essa criação e início dos trabalhos?
Bem, inicialmente, vamos criar no papel porque até a implantação
vai ser necessário compor um quadro funcional. Você lembrava dos policiais
civis da Força Nacional que são 5 delegados, 8 escrivães e mais de 30 agentes.
Mas para pôr a Divisão em funcionamento e a contento, vai ser preciso contratar
pessoal. A gente não pode, por exemplo, tirar pessoal de uma delegacia e colocar
na Divisão de Homicídios.
Então quer dizer que somente a partir do próximo ano ela será
implantada? E a vinda da Força é uma
célula inicial desse organismo no Estado?
Exato. Mas já temos esses profissionais iniciando o trabalho. E
nós temos quatro delegados trabalhando com esse grupo e lá já começa uma
doutrinação para a Divisão de Homicídio, eles estão aprendendo técnicas e o
legado vai ficar.
E os resultados da atuação dos policiais vindos da Força Nacional
tem sido satisfatório?
Tem sim. Já cumpriram 17 mandados de prisão, mas é o início. A
meta proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública [Senasp] é de que
1.300 inquéritos instaurados até dezembro de 2007 sejam concluídos. Havia um
prazo para até julho eles serem relatados. Esse prazo perdemos, mas estamos
correndo atrás para até dezembro cumprirmos as metas. Além das prisões também
foram cumpridos mandados de busca e apreensão. Mas também vai ser preciso
contarmos com a celeridade dos juízes em avaliarem os processos para poder
zerar o passivo.
Existem delegados da estrutura da segurança potiguar trabalhando
conjuntamente com os da Força Nacional. Isso não pode acabar descobrindo
algumas unidades policiais ou prejudicar mesmo o andamento dos inquéritos na
própria Dehom [Delegacia de Homicídios]?
Não, até porque somente Laerte Jardim está trabalhando com os
delegados da Força Nacional, os outros
não são de lá. Então, prejuízo não vai ter prejuízo algum.
Secretário, para combater o crime são necessários investimentos.
De onde vêm esses recursos para implantar, por exemplo, o Programa Comunidade
em Paz, como foi feito no bairro Nossa Senhora da Apresentação?
Nós agregamos algumas políticas nacionais, como a Campanha do
Desarmamento, a ações locais. Nesse ano conseguimos implantar o Sertão Seguro
com recursos dimensionados do ano passado. Já para 2012 temos previsto do
Estado R$ 3 milhões para criar mais bases para o Comunidade em Paz. Somente
para ações de grande vulto desempenhadas pela Delegacia de Homicídio e
Delegacia Especializada em Entorpecentes. E o objetivo é que conseguir mais
recursos para investir nas apreensões de armas e aumento de efetivo.
O senhor falava no Programa Comunidade em Paz e tivemos a
informação de que o próximo bairro a receber essa mesma iniciativa será Felipe
Camarão. Já está confirmado e qual o motivo da escolha?
Já definimos sim. Havia uma dúvida se implantaríamos a segunda em
Felipe Camarão ou no Planalto, mas os números de Felipe Camarão são mais
passíveis de atenção. No Planalto, apesar de ser maior, a força policial tem
feito frente aos números, mas é provável que seja o terceiro bairro escolhido.
Um dos maiores problemas em Felipe Camarão apontado pelas
estatísticas são os crimes contra a vida. O senhor confirma informações obtidas
na delegacia do bairro de que a maioria deles é por causa de acerto de contas?
O mundo do tráfico é perigoso. Além da relação comercial fora da
lei, a pessoa é tirada do seu bom senso e passa a roubar, a traficar, para
manter o vício. E quando se compra e não paga, o comum nesse mundo é pagar com
a vida. E as grandes vítimas são os jovens. A Senasp mostra que a média dos
mortos que possuem ligação com o tráfico é de 22 anos. E ainda tem a presença
dos egressos do sistema penitenciário que acabam compondo essas estatísticas de
homicídio. Eles são fazem dívidas dentro dos presídios e tem que trabalhar nas
ruas quando ganham a liberdade para pagarem o que estão devendo.
E a possibilidade de existirem Grupos de Extermínio colaborando
para esses homicídios, o que o senhor teria a falar? Eles existem, são formados
por policiais, por bandidos?
Até o momento não existe nenhuma indicação de existam grupos de
extermínio do Rio Grande do Norte. O que tivemos notícias foi de alguns grupos
que se organizaram. Mas isso é de forma esporádica. O que pode estar
acontecendo é um matador contumaz sendo 'contratado' para fazer diversos crimes.
O senhor acredita que uma possível sensação de impunidade colabora
com a continuidade desses crimes?
Existem muitos fatores que
podem concorrer para essa sensação de impunidade. Nós temos a necessidade de um
inquérito bem instruído, para que aconteçam as condenações, da celeridade no
andamento dos processos. Já imaginou o que é ter uma taxa nacional de resolução
de homicídios de 8%, inclusive, a do Rio Grande do Norte é essa mesma e em São
Paulo chega a 20%, ou seja, de cada 100 mortes, 20 são solucionadas. Então,
alguém pode pensar, por exemplo, que aqui há 92% de chance de não ser preso e
condenado. Mas esquecem que o policial pode prender em flagrante. Há quem fale
em leis mais rígidas, em mudanças nelas. Eu acredito que também é necessário que
as pessoas tenham uma percepção penal mais forte com a certeza de que vão ser
indiciados, responder por um processo criminal, e após julgamento, ser ou não
condenado.
Carlos Henrique Góis
Repórter
Fonte: tribunadonorte.com.br
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